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O Sentido da Vida

(Disponível também em áudio.

Para ouvir, clique aqui)

    Depois de caminhar toda a manhã e parte da tarde no deserto, sob o sol escaldante, um andarilho avistou uma grande rocha, escura e pontiaguda. Faltavam algumas horas para o pôr-do-sol, e ele resolveu se sentar sob a sombra da pedra para descansar. Pegou seu velho cantil no embornal encardido, tomou um gole de água e colocou-o de lado. No horizonte, apenas areia e a claridade ofuscante do astro-rei, que deixava todo o ambiente embaçado e abafado, com exceção do pequeno canto onde ele repousava. Escorou a mão na base da rocha e, sem querer, esbarrou em uma plantinha que nascera em uma rachadura no chão, bem próximo a onde ele se sentara.

    — Olá, florzinha! — disse ele, acariciando as últimas pétalas murchas que ainda lhe restavam.

    — Olá! — respondeu uma voz tímida e aguda, quase inaudível.

    O andarilho olhou em volta, procurando quem havia falado, mas não viu ninguém.

    — Parece que esse sol está castigando demais a gente — disse ele, voltando o olhar à pequena planta.

    — Nem me fale... — respondeu a fina voz.

    O homem, desconfiado, olhou a flor bem de perto. Era uma dessas flores comuns, que nascem no mato. Só tinha duas folhas, com as bordas queimadas e murchas. Seu caule era fino e fraco. Tinha perdido a maior parte das pétalas, e as que restavam estavam a ponto de cair.

    — Por acaso — disse o andarilho — é você que está conversando comigo?

    — É falta de educação não responder a quem lhe cumprimenta — disse a outra voz, polidamente.

    Recusando-se a acreditar, o homem pensou estar ficando louco.

    — Só me faltava essa... conversar com um vegetal...

    — Assim vou ficar ofendida! — disse a flor, em tom áspero.

    — Planta não fala! — afirmou o andarilho. — E muito menos sente mágoa!

    — Pois eu sinto! — retrucou a planta, emburrada. — Acabei de conhecer você, por favor, não me trate assim, tão mal. Eu não lhe fiz nada!

    Com um riso sem graça, descrente do que ouvia, o homem se calou. Voltou seus olhos ao horizonte e, por vários minutos, nada se ouvia além de suspiros.

    — Está pensando em quê? — perguntou a flor.

    Não houve resposta.

    — É falta de educação não responder aos outros — completou a plantinha.

    Relutante, o andarilho hesitou por alguns momentos. Certificou-se de que não havia ninguém por perto e resolveu conversar, mas sem olhar para a flor, como se estivesse falando consigo mesmo.

    — Essa vida... não sei não. Tem horas em que nem sei por que a gente vem para esse mundo...

    — Isso não tem importância — declarou a flor.

    — Como assim? — interessou-se o homem.

    — O motivo de ter nascido — esclareceu a singela voz — não tem importância.

    — Mas tudo tem que ter um propósito! — retrucou o andarilho.

    — Sim, claro. Mas o que eu disse é que isso não tem importância. Acho que tudo tem um motivo, mas não é necessário saber esse motivo.

    — Era só o que me faltava! — caçoou o homem. — Além de tudo, é filósofa.

    — Veja o meu caso, por exemplo — disse a flor. — Nasci no meio do deserto, onde não tem nem um animalzinho sequer. Desde que minha semente germinou, nunca tinha visto ninguém. Quando minhas pétalas exibiram seu mais lindo tom de amarelo, fiquei tão radiante que nem consigo expressar! Aquele era o dia mais importante da minha vida até então. Depois de um tempo, vi que minha força estava se esgotando. Não consegui mais manter minhas folhas e comecei a murchar. Mesmo assim, enquanto eu puder, tentarei ficar de pé. Tive uma vida boa até agora, e quando chegar minha hora, aceitarei a partida.

    — Está vendo? — excitou-se o andarilho. — É disso que estou falando! Você tem muitos motivos para concordar comigo! De que adianta uma planta nascer, sozinha, neste fim de mundo, sem ninguém por perto para cuidar, sem nenhum inseto nem outras plantas para que sua flor pudesse ser fertilizada e, assim, fazer nascerem outras flores? Não estou agourando, mas é fato que você não vai durar muito. E depois? De que terá valido tudo isso?

    — Você está olhando pelo lado errado — afirmou a flor, com seriedade.

    — Explique-se!

    — Quais seriam as chances de eu nascer no deserto?

    — Nesse calor? Nessa secura? Nenhuma chance — respondeu o andarilho.

    — Então, por que estou viva?

    — Sua semente germinou perto dessa rocha — disse o homem, observando ao redor — e justamente do lado onde o sol bate menos.

    — E você acha que fui plantada, de propósito?

    — Com certeza, não. Sua semente deve ter se soltado da roupa de alguém, ou do pelo de algum bicho.

    — Exatamente neste local, que é onde eu teria mais chance de sobreviver.

    — Pura sorte! — desdenhou o andarilho.

    — Veja bem — continuou a flor. — Nasci nessa sombra, recebendo a luz do sol na medida certa e o abrigo de que precisava para não desidratar. À noite, essa rocha fica tão fria que condensa a pouca umidade que existe no ar, deixando o orvalho escorrer para a terra e alimentar minhas raízes.

    — Isso é que é sorte! — espantou-se o homem.

    — O que você chama de sorte, eu chamo de milagre!

    — Coincidência!

    — Que seja! — concordou a flor. — Mas, para mim, é razão suficiente para eu ser agradecida. Tudo podia ter dado errado e, mesmo assim, tive a chance de nascer, crescer, florescer, viver! Todas as manhãs, vejo o sol nascer e brilhar sobre mim. Todas as tardes, a sombra me oferece o abrigo de que preciso. Todas as noites, assisto ao grandioso espetáculo das estrelas. A lua, então, você devia ver! Ela é a minha favorita! Diante de tanta coisa bonita, só posso ser eternamente grata!

    — A sua vida toda você não conheceu ninguém! Quando você floresceu, não havia nem mesmo um amigo para observar sua beleza. Como você pode pensar que valeu tanto a pena?

    — Você só se sente feliz com o que faz quando tem alguém para ver seus feitos? — argumentou a flor. — É tão importante assim ser reconhecido e elogiado?

    — Não é isso... — disse o andarilho, encabulado. — O ponto é... é... qual o propósito de ter passado a vida aqui, sozinha? Depois que você se for, quem vai se lembrar de você?

    — Não floresci para me mostrar para ninguém. Também não sei qual é a razão de tudo isso ter acontecido na minha vida, mas sei que, se houver um propósito, devo fazer o meu melhor enquanto estiver aqui. Como uma flor, sou limitada, mas nem por isso deixo-me abater.

    — Esse tipo de pensamento, não sei não... — disse o homem. — É muito exagerado, sabe, esse otimismo sem sentido...

    — As coisas nunca tem sentido, em princípio — declarou a flor —, até que alguém dê sentido a elas.

    — Você tem resposta para tudo...

    — Tive muito tempo para meditar — respondeu a planta.

    O homem sorriu.

    — Que bom que você melhorou essa cara fechada — brincou a florzinha.

    — É... essa conversa parece ter me feito bem — admitiu o andarilho. — E você, está feliz?

    — Sim, sim! — respondeu a flor. — Aqui é muito solitário, sabe? Ter companhia, ao menos uma vez, é muito bom!

    O homem pensou em fazer um carinho na flor, mas receou que ela se desfizesse em pedaços, então, apenas ficou parado ao lado dela, em silêncio, esperando o sol abaixar mais um pouco. Quando a sombra da pedra já estava se estendendo por vários metros, decidiu partir. Tomou outro gole de água e despejou umas gotas aos pés da flor, antes de guardar o cantil na bolsa.

    — Obrigada! — disse ela.

    — Não foi nada. Bom... Acho que já vou. Você vai ficar bem?

    — Claro! — respondeu a flor, sem titubear. — Faça uma boa viagem! Se quiser voltar outro dia, ficarei feliz em conversar novamente!

    — Sim, claro. Obrigado pela conversa! — disse o andarilho.

    — Disponha! Até amanhã! — despediu-se a flor, graciosamente.

    O homem continuou sua viagem, com os olhos marejados. Sabia que sua nova amiga não duraria mais que dois dias. Havia pensado em levá-la consigo, mas retirá-la da terra arruinaria de vez suas raízes e seu caule fragilizado. Enquanto caminhava, refletia sobre a conversa que tiveram. Não conseguia entender o otimismo inabalável da pequena flor, e continuava achando que a vida dela havia sido desperdiçada. Foi realmente uma pena ela ter nascido em um lugar tão ermo e solitário.

    — Talvez não tenha sido totalmente em vão — disse ele para si mesmo.

    Com um largo sorriso, parou por um instante e voltou seu olhar para a grande rocha que, no horizonte distante, quase não era mais visível. As coisas começaram a ficar mais claras em sua mente. Percebera que, talvez, apenas talvez, o importante propósito da vida daquela singela flor, que nasceu e viveu quase todo o tempo solitária, tenha sido simplesmente amaciar o coração de pedra de um andarilho cabeça-dura.

(*Fim*)

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