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O Dragão no Porão

O Dragão no Porão

    Era o primeiro dia de Theo na nova escola. A senhorita Carla, sua professora, chamou-o na frente da turma para falar um pouco de si.

    — Não fique acanhado, querido! — disse a simpática moça. — Diga seu nome para a turma!

    — Eu me chamo Theo — disse o menino, baixinho. Não expressava nenhuma emoção. Parecia obedecer mecanicamente, quase como se não tivesse vontade própria.

    — Quantos anos você tem? — continuou a professora.

    — Nove.

    — Querem perguntar algo ao Theo? — disse a senhorita Carla à sua numerosa turma. Olhando para a menina loira na terceira fileira, que abanava sua mão bem no alto, completou: — Beatriz, levante-se, por favor.

    — Com quem você mora? — disse a loirinha.

    — Com meu pai — respondeu Theo, sem olhar para ela.

    A professora apontou para outro garoto, que se levantou prontamente.

    — Por que sua mãe não mora com vocês?

    Theo levantou o rosto para ver quem lhe perguntava, mas logo voltou o olhar ao chão. Não disse nada. Apenas sacudiu os ombros. A professora ficou sem graça, mas outro aluno levantou a mão, salvando-a do incômodo silêncio.

    — Você já teve algum bicho de estimação? — perguntou um moleque franzino que se sentava junto à parede, perto da porta.

    Pela primeira vez, a turma viu Theo sorrir.

    — Tenho um dragão — disse ele, com orgulho. Os colegas deram risadas.

    — Acho que ele não se referiu a brinquedos, querido — explicou a professora. — Você tem algum bichinho de verdade?

    — Ele não é de brinquedo — explicou Theo, virando-se para ela. Seu sorriso se desfez.

    — Sei… — A professora tentava encontrar um jeito de não contrariá-lo. — Então, você tem um dragão. E onde ele vive?

    — No porão da minha casa.

    — Já entendi! — disse a senhorita Carla, como se tivesse feito uma brilhante dedução. — É como se fosse um amigo imaginário, certo?

    — O que é imaginário? — perguntou Theo. A turma riu novamente.

    — Imaginário — disse a professora, enquanto pedia silêncio com as mãos — é o que você cria dentro da sua cabeça, para você brincar, conversar ou lhe fazer companhia.

    O menino pensou um pouco e questionou:

    — É tipo quando a gente pensa que quer muito uma coisa, e depois ela aparece?

    — De certa forma, sim — respondeu a senhorita Carla. — Amigos imaginários podem ser bem reais para algumas crianças.

    Theo ficou satisfeito com a explicação.

    — É isso mesmo. Meu dragão é assim — declarou ele.

    A professora agradeceu, o menino voltou à sua carteira e a aula continuou normalmente. Theo ficou calado até o recreio, e também nas lições que se seguiram.

    Um dos meninos mais velhos tinha escutado, no intervalo, a história do dragão. Como gostava de fazer graça e chamar a atenção, resolveu zombar do garoto e de seu amigo imaginário. Na hora da saída, abordou Theo nos corredores da escola, amigavelmente, antes que ele chegasse ao portão.

    — Olá! Meu nome é Roney. Gosto muito de dragões! Você pode me dizer onde comprou o seu? Talvez meu pai possa me dar um de presente.

    — Você não vai encontrar dragões em loja nenhuma — respondeu Theo, sério.

    — Eu tinha esquecido… — disse o garoto, batendo na testa. — Eu só tenho que desejar muito, e assim ele aparece para mim, não é?

    Theo só balançou a cabeça.

    — Posso ver o seu dragão? — disse Roney, com intenção de constranger o colega. — Assim, vou poder imaginar o meu com mais clareza.

    — Não dá — respondeu Theo, desapontado. — Meu pai não vai gostar.

    Roney riu alto, para despertar a atenção das crianças que estavam próximas.

    — Eu sabia! Não tem dragão nenhum! Sua mãe não te ensinou que mentir é feio?

    Theo ficou muito chateado com a menção à sua mãe, mas isso não foi visível em sua expressão facial. Respirou fundo, aproximou-se de Roney e disse, baixinho:

    — Eu não estou falando mentira. Minha casa é no fim da estrada velha, depois da ponte, passando da mercearia. É uma casa grande e verde. Quer ver meu dragão? Fique escondido lá perto. Meu pai sai para o trabalho depois de almoçar. Ele vai de carro. Quando ele sair, eu mostro a você.

    Theo passou pelo portão da escola e entrou na caminhonete do pai. Roney ficou parado por um instante. Tinha ficado bastante curioso. Sabia que sua avó, que era quem cuidava dele durante o dia, ficaria preocupada — talvez, até brava com ele —, mas queria muito ver até onde iria a história do dragão. Assim, fez conforme Theo havia dito: escondeu-se atrás de uma árvore perto da mercearia e esperou a caminhonete passar. Demorou tanto que ele quase caiu no sono naquela agradável sombra. Ao ver o pai de Theo dirigindo seu carro, levantou-se rapidamente e seguiu pela estrada até a grande casa verde. Bateu à porta e foi prontamente recebido por Theo.

    — Venha comigo — disse ele, sem olhar para o rosto de Roney.

    Antes de abrir a porta que dava para o porão, Theo pediu ao colega:

    — Prometa que não vai contar para ninguém que eu deixei você entrar!

    — Sim, claro! — disse o outro, com a mão direita erguida e os dedos da esquerda cruzados às próprias costas.

    A porta se abriu e eles desceram as escadas. Havia pouca luz e um profundo silêncio. Roney já imaginava a cara dos colegas quando ouvissem seu relato sobre a visita misteriosa ao porão onde morava o dragão. É claro que ele teria que colocar um pouco de emoção no caso, pois sua estadia ali estava se tornando constrangedora.

    — Cadê ele? — perguntou Roney.

    — Acho que está dormindo — respondeu Theo, sem ter muita certeza do que dizia. — Ainda não sei direito as horas que ele sai da toca.

    — Escute aqui — retrucou Roney —, eu não sei se você acredita mesmo nisso tudo ou se está fazendo hora comigo. Isso é uma tremenda idiotice! Já perdi tempo demais aqui! Vou embora!

    Sem dizer nada, Theo puxou uma corda, que estava presa a uma enorme tampa de madeira, revelando um poço de dois metros de diâmetro. Não se podia ver o fundo. Ele e Roney olharam pela abertura. Estava escuro. Theo assoviou uma vez, mas nada aconteceu. Ouviram-se passos no interior da casa.

    — Meu pai voltou! — assustou-se Theo. — Ele não vai gostar de ver você aqui!

    — Pouco me importa! — irritou-se Roney. — Amanhã, todos vão rir de você e de seu dragão idiota.

    Theo apertou os lábios. Isso significava que tinha ficado bastante chateado. Voltou seu olhar ao fundo do poço e assoviou mais uma vez, bem alto. Houve um estrondo e algo bem grande começou a escalar o buraco. O chão do porão tremeu. Roney ficou tonto e segurou-se em uma coluna de madeira. Não conseguia acreditar no que seus olhos viram. De dentro do poço, surgiu um animal enorme, com chifres curtos e orelhas pontiagudas, bigodes grossos e soltando fogo pelas narinas. Quando o dragão terminou de sair, abriu suas enormes asas, como as de morcego, e lançou chamas ardentes sobre o teto de madeira do porão. O fogo começou a se espalhar.

    Roney queria gritar, sair correndo, fugir, mas suas pernas não se mexiam, sua voz sumiu e suas mãos estavam coladas à coluna de sustentação da casa. A porta se abriu e o pai de Theo mostrou o rosto no topo da escada. Rapidamente, correu pela casa e apareceu, segundos depois, trazendo um cobertor encharcado para conter o incêndio. Pareceu não se incomodar com a presença do dragão no recinto. Quando o fogo se apagou, ele repreendeu o filho:

    — O que você pensa que está fazendo? Eu disse para você não receber visitas! — Depois, apontou para o enorme animal. — Quanto a isso, conversaremos daqui a pouco!

    O homem foi até Roney, ajudou-o a desgrudar da coluna de madeira e quase o carregou escada acima. Na saída, recomendou que ele mantivesse segredo sobre o que vira em sua casa. O pobre rapaz estava mudo. Só conseguiu acenar com a cabeça. Cambaleou, no princípio, mas logo recuperou a força nas pernas. Correu como nunca, até que seus pulmões o obrigassem a parar para recuperar o fôlego. Suas calças estavam molhadas, mas ele nem se importou. Assim que conseguiu, retomou a correria no seu caminho de casa.

    Theo estava fazendo carinho em seu dragão quando o pai desceu novamente as escadas.

    — O que é isso, filho?

    — Um dragão, pai.

    — Estou vendo — disse o homem, impaciente. — O que ele está fazendo aqui?

    — Eu vi em um filme, na semana passada. Achei que seria legal ter um.

    — LEGAL? — gritou o pai. — Achou que seria legal? Quase incendiou nossa casa, filho! Isso não foi "legal". E se ele comesse aquele menino? Seria legal?

    Theo ficou calado, olhando para o chão. Seu pai andava de um lado para o outro, tentando encontrar uma solução para o problema. Depois de alguns minutos, parou e olhou para o filho.

    — Desde quando ele está aqui? — perguntou.

    — Ele apareceu ontem à tarde.

    — Escute, Theo. Já conversamos sobre isso, mas vou repetir mais uma vez: sempre que você tiver um de seus desejos, precisa conversar comigo primeiro, está bem?

    O menino, arrependido, acenou que sim.

    — Sei que não foi por mal — continuou o pai —, mas o que você fez não vai ser bom para ninguém, nem mesmo para ele — e apontou para o dragão.

    — Como assim? — perguntou o menino.

    — Aquele filme não diz como é a vida dos dragões de verdade — disse o pai, colocando as mãos nos ombros de Theo. — Eles vivem, no máximo, um dia, depois, se desfazem em chamas coloridas e não resta nada além de um monte de cinzas.

    — Você jura? — perguntou Theo, assustado.

    — Acha que seu pai mentiria para você? — disse o homem, com bastante seriedade. — Veja! Parece que já começou! As asas já estão virando pó.

    Theo virou-se para ver. Por alguns instantes, pensou que o pai estivesse enganado. Porém, em poucos segundos, vários pontos do corpo do dragão começaram a se incendiar espontaneamente. O menino cobriu a boca, espantado.

    — Pai, ele está sofrendo?

    Abraçando o filho, ele respondeu:

    — Não se preocupe. Isso não dói nada. Para ele, é totalmente natural.

    O nobre homem não sabia, no princípio, se plantar essa ideia na mente do filho funcionaria. Na mitologia, dragões podiam viver centenas de anos, mas ele torcia para que Theo não soubesse disso. Acabou que o plano deu certo. Para alívio do pai, em poucos minutos, o enorme corpo de carne, couro e ossos foi reduzido a um monte de pó.

    Depois de recolocar a tampa de madeira no poço, pai e filho se deram as mãos e subiram, juntos, as escadas.

    — Como foi na escola, filho?

    — Foi tudo bem. Perguntaram sobre a minha mãe.

    — E o que você disse?

    — Não falei nada. — Theo fez uma pausa, depois perguntou: — Ela morreu, pai?

    — Não, filho. Tenho certeza que não.

    — Então, onde ela está?

    — Longe. Muito longe. Mesmo assim, ela consegue nos ver. Sabia que foi ela quem escolheu seu nome? Antes de partir, ela prometeu que estaria sempre de olho em nós. E me fez jurar que eu cuidaria direitinho de você. Na verdade, ela nem precisava ter pedido.

    Eles se abraçaram demoradamente.

    — Sabia que os outros garotos não conseguem fazer essas coisas que eu faço? — disse Theo. Seu pai deu uma risadinha.

    — É mesmo? Quem te disse isso?

    — Eu descobri sozinho.

    — Muito esperto — disse o pai. — Agora, comporte-se. Só vou pegar uns papéis que esqueci no quarto. Já estou atrasado para o trabalho.

    Depois de se despedir do pai, Theo pegou um saco de chips na cozinha e ligou a televisão. Ficaria no sofá a tarde inteira, como fazia todos os dias. Era penoso para o homem deixá-lo sozinho todas as tardes, mas este era o único modo de conseguir pagar as contas.

    Enquanto dirigia, relembrava as situações absurdas que já vivera com o menino. Apesar de eles terem que se mudar de tempos em tempos, e de estar sendo difícil a criação do garoto, ele achava que estava fazendo um bom trabalho. Em sua opinião, o dragão tinha sido, até então, a segunda pior ideia do filho. Ainda bem que conseguiu livrar-se rápido do bicho. Ele não via a hora de ver Theo crescido, para poder explicar-lhe tudo sobre suas origens e suas potencialidades. Enquanto isso, restava-lhe cuidar dele e torcer para que tudo acontecesse da melhor forma possível.

    Quanto à mãe do garoto, ele teria que se acostumar com sua ausência. Não havia nenhuma esperança de que ela retornasse um dia. Afinal de contas, deusas não se apegam.

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