Edmilson Ferreira - Escritor
Mãe
Uma história que pode estar acontecendo agora mesmo, em algum lugar da periferia da sua cidade.
Eu estava sozinha em casa naquela noite. Olhei para a pequena tira do exame comprado na farmácia. Nela, podia-se ver duas listras vermelhas bem marcadas.
— Merda! — gritei, sem conseguir me conter.
Não era possível eu estar grávida! Isso era a pior coisa que poderia ter me acontecido! Comecei a andar de um lado para o outro na sala, fazendo as contas e praguejando mentalmente. Eu não ficara com ninguém por, pelo menos, três meses. A última vez foi com o idiota do Ney. Eu estava muito sozinha e carente e, por isso havia caído em tentação. Ele era um ogro oportunista. Aproveitou que eu estava alterada pela bebida e levou-me na conversa. Mas já era tarde para reclamar. Eu não tinha ideia do que fazer.
"Meu Deus! Três meses?" pensei. Não era mais possível tentar um aborto cirúrgico. Seria muito arriscado para mim. Mesmo assim, procurei alternativas para me livrar do fardo. Eu não podia ser mãe. Não queria ter aquela criança.
Encontrei, na Internet, a receita de um chá infalível. Para mim, haveria poucos efeitos colaterais, mas o "problema" seria resolvido, com certeza. A criança ainda não estava formada completamente e não sentiria nada. Eu não tinha por que temer.
Tomei o bendito chá. Tive uma cólica tremenda! Achei que o feto sairia naquele mesmo dia, tamanha foi a minha dor. Sangrei um pouco. Vomitei muito. Algumas horas depois, os efeitos diminuíram. Eu estava confiante de que tudo tinha dado certo. Não teria mais com o que me preocupar.
Marquei uma consulta, só para garantir. Chegando ao consultório, expliquei que estava há dois meses sem menstruar e que havia sentido muita dor, quando houve o tal sangramento. O médico me examinou e desconfiou da gravidez. Eu já estava pronta para receber a "triste" notícia do aborto espontâneo. Ele pegou um aparelho que eu não conhecia e encostou uma das extremidades em minha barriga. Na outra ponta, um pequeno objeto, parecido com um rádio a pilha, começou a fazer barulho. Em meio ao chiado intermitente, podiam-se escutar as fortes e rápidas batidas de um pequeno e apressado coração.
— Parabéns! — disse o médico, sorrindo.
Chorei. Tentei disfarçar a decepção, mas não consegui. Agradeci ao doutor, que se mostrava constrangido com a minha reação e, mesmo com ele tentando me indicar um lugar para conseguir apoio emocional, deixei o consultório.
Em casa, nua, de frente para o espelho, continuei a chorar, pensando na flacidez que tomaria conta do meu corpo e nas estrias das quais eu nunca mais me livraria.
Eu tinha tudo planejado: faltavam dois anos para eu me formar na escola de teatro e dar início à minha brilhante carreira. O emprego na padaria era só para me manter até conseguir entrar em uma companhia. Começaria devagar, mas, com força de vontade e determinação, conquistaria espaço no mercado e me tornaria uma atriz de sucesso.
Todo esse maravilhoso sonho se desmanchou, ali mesmo, enquanto eu olhava o reflexo de minha barriga, que já apresentava sinais de crescimento.
Quando não tinha mais lágrimas para derramar, vesti o robe e tomei coragem. Eu precisava informar ao Ney, por mais que não quisesse fazê-lo. Peguei o telefone e tentei me controlar para não cair em prantos antes de dar o recado. À primeira menção da gravidez, fui agredida, acusada e humilhada. Ele me falou para nunca mais procurá-lo. Briguei, xinguei, gritei e, quando encerrei a chamada, estava completamente destruída. Queria sumir, morrer, fazer qualquer coisa para sair daquele sofrimento. Passei a pior noite da minha vida deitada no carpete do quarto, vendo o tempo passar e sem ter a mínima esperança de voltar a ser feliz.
As semanas passavam sem que eu conseguisse me recompor. A depressão que se seguiu à notícia da gravidez fez com que eu perdesse o emprego na padaria. Sem ter como me manter, pedi para voltar a morar com minha mãe. Ela me acolheu. Pelo menos já tinha se separado do alcoólatra que, um dia, havia chamado de marido. Quando a barriga não pôde mais ser escondida, tive outra crise de choro. Contei para ela a respeito de como aconteceu de eu engravidar e disse que lamentava muito. Ela prometeu me apoiar, no que fosse possível.
Em minha cabeça, só havia um pensamento: precisava me livrar da responsabilidade de ser mãe. Procurei serviços de apoio à adoção, mas eles não me deram muita esperança. Pelo visto, a cor da minha pele não me ajudaria a conseguir pais adotivos que se dispusessem a me ajudar. Mesmo assim, deixei claras as minhas intenções: eu não queria ficar com a criança, mesmo que isso significasse que eu teria que dá-la a um desconhecido. Mamãe escutou essas palavras e não disse nada. Acredito que ela também não estava disposta a cuidar do bebê.
A moça da instituição aceitou, com má vontade, que eu fizesse o cadastro. Ela me informou que era necessário fazer acompanhamento pré-natal para não ser excluída do sistema. Mesmo me sentindo ofendida, peguei o encaminhamento e saí calada.
Consultei-me com um médico ranzinza no Centro de Saúde. Ele encerrou o atendimento sem me tocar e entregou-me um pedido de ultrassom. Enquanto aguardava para realizar o exame, vi casais fazendo planos para os quartos dos bebês e tentando adivinhar se o enxoval seria azul ou rosa. Eu estava completamente deslocada naquele local e só pensava em sair dali, o quanto antes.
Mais um mês se passou. Outra consulta, outro exame e a revelação de que eu carregava um menino. Não me senti emocionada nem agradecida. Minha presença ali era pura formalidade. A tristeza crescia na mesma proporção da barriga, pois nenhum casal demonstrava interesse pela adoção. Meu corpo não tinha mais a flexibilidade que eu precisava nos exercícios de alongamento e, por isso, saí do curso de teatro. De qualquer forma, eu também não tinha mais a energia e a animação necessárias à interação com o grupo. Como não podia ficar parada o tempo todo, arrumei um trabalho informal num hotel perto de casa, por indicação de uma amiga que já era funcionária. Eu arrumava os quartos duas vezes por semana, normalmente aos sábados e domingos pela manhã. Não ganhava muito, mas conseguia me manter. Nos dias em que ficava em casa, era difícil aturar minha mãe. A todo o momento ela pedia para eu ajudar com os afazeres, mas logo depois xingava, dizendo que eu não podia me esforçar. Quando reclamei desse comportamento dela, fui chamada de folgada, inútil, entre outros nomes piores. Chorei demais! Fui para o quarto e fiquei trancada lá.
— Isso é tudo culpa sua! — eu disse para a barriga.
O bebê deu um chute, daqueles bem doloridos, e ficou atravessado. Dava para ver o enorme caroço do meu lado direito. Apertei a protuberância e gritei para ele parar com isso. O volume apareceu do outro lado. Pressionei novamente e ele foi para baixo do umbigo. Sentei-me na cama e coloquei as mãos na cintura. O feto virou e ficou se mexendo até colocar o pé (ou braço, não sei direito) sob minha mão. Experimentei apoiá-la em outro lugar e ele a encontrou novamente. Achei graça naquilo, mesmo estando brava.
— Não pense que eu te perdoei! — disse para ele, com seriedade. Depois fui dormir.
Ao contar para minha amiga sobre os desentendimentos em casa, ela me convidou para “dividir o apartamento”. Estava difícil, para ela, pagar o aluguel sozinha. O lugar era pequeno, mas nos daria certo conforto e eu teria mais privacidade do que na casa de minha mãe. Por isso, aceitei.
Quando completei trinta e três semanas de gravidez, não suportava mais o peso da barriga. Ficava cinco minutos de pé e dez sentada. O gerente do hotel perguntou se eu ainda era capaz de trabalhar e eu, para não perder a pouca renda, resolvi mostrar o quanto estava bem. Grande erro! Naquele mesmo dia senti uma dor muito forte e tive um sangramento. Chegando ao hospital, constataram um grave descolamento de placenta e recomendaram o parto de emergência. Entrei em desespero. Eu não tinha conseguido pais para o menino, muito menos roupas para vesti-lo ou onde colocá-lo para dormir. Fiquei nervosa e isso não ajudou em nada durante a cesárea. Houve complicações que nem sei explicar, e a criança nasceu sem respirar. Eu só chorava. Ouvi a conversa dos médicos que fizeram massagem cardíaca na criança, senti a apreensão de todos na sala e fiquei contagiada com a tensão do local. Nem reparei quando terminaram de me costurar. Eu só pensava se o garotinho tinha conseguido sobreviver. Em poucos minutos, recebi a notícia: ele estava estável, mas em situação delicada. Nasceu pré-maturo e, por isso, com baixo peso. Devido às complicações, tinha ficado muito tempo sem oxigênio. Talvez, houvesse sequelas. Escutei tudo com muito interesse, mas apenas para ser educada. Queria resolver logo a questão da adoção.
Nos dias em que fiquei internada, não quis ir ao berçário, mesmo depois de minha mãe dizer, em um dia de visita, que o bebê se parecia comigo. Nem com as enfermeiras eu gostava de falar dele. Fiquei sabendo que ele estava se recuperando. Achei bom.
Meu médico disse que eu receberia alta, mas o menino teria que ficar mais tempo internado. Eu poderia ficar de acompanhante, se desejasse. Recusei. De qualquer forma, teria que ir pegar uns papéis com a pediatra, pois não podia ir embora sem fazer o registro da criança. Troquei de roupa e fui até lá.
— Boa tarde! — cumprimentei. — Preciso pegar os papéis para o registro do...
Nessa hora eu reparei que nem tinha escolhido um nome. Senti um enorme desconforto.
— Está tudo bem? — a médica perguntou.
Acenei com a cabeça e desviei o olhar.
— Não se preocupe — continuou ela —, os papéis já estão quase prontos. Só quero fazer umas perguntas.
Não achei aquilo uma boa ideia, mas não tive escolha. Olhei em volta e reparei que havia duas incubadoras na sala. Aquele deveria ser um dos berçários. A angústia aumentou.
— Você não veio aqui nem um dia, desde que ele nasceu. Não quer ver seu filho?
— Melhor, não. Eu só dei à luz. Não vou ficar com ele. Só estou esperando resolver umas coisas para providenciar a adoção.
— Entendo. Mas se você não fizer isso agora, talvez nunca mais tenha a chance de vê-lo — insistiu ela.
— Não me importo. Onde estão os papéis? — respondi, impaciente.
— Tem certeza? — disse a médica. — Você só tem que se virar para lá e dar dois passos. Ele está logo atrás de você.
Ela apontou para a incubadora à minha esquerda. Por um minuto, hesitei. Ela tocou em meu braço, tentando me conduzir. Reagi imediatamente.
— Pare com isso! Você não sabe pelo que eu passei! Não tem ideia das coisas que eu abri mão! Minha vida desmoronou por completo, tudo por causa dele! Essa criança foi a pior coisa que já me aconteceu!
Meus nervos ardiam em fúria, mas eu não podia chorar. Não naquela hora. A pediatra não tirava os olhos do bebê. Sem gritar, mas mantendo o tom agressivo, continuei:
— Eu não quero passar o resto da vida tomando conta de uma criança que foi responsável por eu me tornar essa pessoa infeliz, insatisfeita, abandonada pela sorte, por Deus e por todos. Não quero vê-la crescer, passando pelo mesmo que eu passei, sem conhecer o pai por ele ser um inútil. Com uma mãe que, em vez de ser amorosa ao cuidar de seus machucados, o faz reclamando que a vida está ruim e que não pode fazer nada para melhorar. Eu não mereço isso! Ele não merece isso! Então me dê logo esses papéis e economize a lição de moral, porque não estou disposta a ficar mais nem um minuto aqui!
Com uma serenidade fora do comum, ela respondeu:
— Entendo que você está se sentindo abandonada, mas existem pessoas dispostas a lhe ajudar. Além disso, nesse exato momento, alguém deseja muito demonstrar que ama você mais do que tudo. Seu filho, desde que chegou aqui, chora sem parar, a não ser quando está dormindo. Ao escutar sua voz, ele começou a se mexer, excitado, como quem pede pelo amor de Deus que o peguem no colo. Olhe e veja, você mesma, como ele está feliz em lhe ouvir!
Ainda nervosa, virei o rosto para a incubadora onde estava o pequeno. Ele balançava as pernas e os braços, mas não estava chorando. Havia tubos ligados em suas narinas e um cateter com soro num dos braços. Cheguei um pouco mais perto.
— Você pode tocá-lo, se quiser — disse a médica, abrindo uma pequena porta de formato circular no acrílico transparente.
Por instinto, coloquei minha mão lá dentro. O pequenino segurou meu dedo com uma força que eu não pensei que ele possuía. Com o polegar, acariciei levemente sua pele delicada. Sem perceber, havia deixado as lágrimas rolarem soltas pelo meu rosto abobalhado. Por vários minutos, ficamos ali, o miúdo e eu. Ele, tão franzino e magrinho, sensível e indefeso, olhando para mim com uma expressão de admiração, numa conversa silenciosa que, nem por isso, deixou de ter todo sentido do mundo. Aquele breve instante durou, para mim, uma eternidade.
Entendi, naquele momento, que o medo que eu tinha era um meio de tentar protegê-lo de mim mesma. Eu estava numa fase ruim, mas não precisava ser sempre assim. Eu não tinha que ser como minha mãe, nem agir da mesma forma que agiram comigo no passado. Ele merecia que eu fosse melhor. Eu só precisava estar ciente disso e ter disposição para mudar.
— Se você quiser, pode levar os papéis do registro agora e voltar aqui para passar mais tempo com ele — disse a médica. — Só está faltando eu preencher o nome.
— Renato — disse eu, sem vacilar.
— Bonito nome. Realmente, pode-se dizer que ele nasceu duas vezes — respondeu ela, entregando-me o papel.
Mas o menino não soltava o meu dedo.
— Pode soltar, garoto! — insisti com ele. — Daqui a pouco eu volto!
Mas nada de ele obedecer. Eu puxava a mão, delicadamente, mas ele segurava ainda mais forte. Então, cheguei o rosto bem pertinho do orifício redondo e disse, baixinho, para ser ouvida apenas pelo bebê:
— Mamãe só vai ali e já volta!
No mesmo instante, sua mão relaxou e ele deu um longo suspiro. Antes de sair pela porta, olhei novamente para aquela criaturinha tão singela, que respirava suavemente com os olhos fechados. Minha mãe, que estava no corredor, sem nem me cumprimentar antes, perguntou:
— Você já sabe com quem vai ficar o menino?
— Sei, mãe — respondi, com confiança. — Comigo!
(*Fim*)
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